Baía dos Porcos

INVASÃO DA BAÍA DOS PORCOS –
OS IANQUES NÃO CONTAVAM COM ESSA
A política externa norte-americana de retirada de governos “inconvenientes” pode está sujeita a falhas
por Rafael Silva
acadêmico em Relações Internacionais UNIBH

A seguir acompanhe trechos de notícias de jornais referentes aos acontecimentos na Baía dos Porcos:
17de abril de 1961:

Forças revolucionarias anticastristas iniciaram esta manhã a invasão de Cuba por mar, e o governo de Fidel Castro enviou milhares de soldados ao litoral para enfrentar os atacantes que lograram obter uma cabeça de praia a 135 quilometros de Havana. Os cubanos anticastristas executaram com êxito as primeiras fases da operação. Quatro aviões bombardearam e metralharam os objetivos castristas (soldados do governo cubano) e jogaram caixas, em pára-quedas, à terra. Antes da chegada dos quatro aviões, outros dois haviam sobrevoado a região.

Declaração:
A emissora CMQ de Havana e ouvida nesta cidade transmitiu uma declaração oficial assinada pelo presidente Osvaldo Dorticos e o primeiro-ministro Fidel Castro:
"Povos da America e do mundo: o imperialismo norte-americano lançou sua anunciada e covarde agressão contra Cuba. Seus mercenários e aventureiros desembarcaram em um ponto do país. O povo revolucionário de Cuba dá combate com valor e heroísmo e está seguro de esmagá-lo. Contudo, pedimos a solidariedade dos povos da America e do mundo. Especialmente pedimos a nossos países irmãos da America Latina que façam sentir a força insuperável de sua ação contra os imperialistas norte-americanos
(...)
Todos devem reforçar a luta contra o principal inimigo da humanidade: o imperialismo ianque. Toda Cuba está de pé com o lema "Pátria ou Morte". Nossa batalha é a vossa".

Jornal Folha de São Paulo, terça-feira, 18 de abril de 1961



O desembarque realizou-se simultaneamente nas províncias de Matanzas, Oriente e Pinar del Río. Os principais combates travaram-se em Matanzas, zona pantanosa para onde foi enviada a elite dos milicianos, agora comandados pessoalmente pelo Primeiro Ministro Fidel Castro.
(...)
Na ONU, a União Soviética pediu que as Nações Unidas ordenem cessação imediata das operações iniciadas em Cuba e atribuiu a total responsabilidade dos acontecimentos aos Estados Unidos.
(...)
O diretório de Estudantes da Universidade Católica do Rio enviou, à tarde, telegrama ao presidente Jânio Quadros, pedindo que o Brasil tome uma posição firme pró-Cuba no caso do desembarque nas costas cubanas.
(...)
Na ONU, o representante norte-americano, Stevenson negou qualquer ação agressiva de seu país.

Jornal do Brasil, terça-feira, 18 de abril de 1961

18de abril de 1961:

Aviões norte-americanos com base num porta-aviões escoltam os bombardeiros que atacam Cuba, afirmou na ONU o chanceler Raul Roa. Frisou, por outro lado, que tropas regulares dos Estados Unidos, estacionadas na base de Guantánamo, penetraram em território cubano.

ONU, terça-feira, 18 de abril de 1961

O presidente dos Estados Unidos respondeu a nota do Primeiro-Ministro, Nikita Kruschev, ontem intimando a União Soviética a não intervir em Cuba onde os contra revolucionários, 35 horas após o desembarque nas praias, não anunciaram a conquista de qualquer posição importante e reconheceram graves perdas determinadas pelos tanques pesados e os caças Mig das forças fiéis do Premier Fidel Castro.
Os acontecimentos de Cuba determinaram manifestações de rua, com gravidade variável em quase todas as capitais da América Latina e em várias cidades importantes do mundo. Em moscou 51 mil manifestantes apedrejaram a embaixada norte-americana. Em Bogotá, o exército foi posto em alerta, tropas passaram a circular nas ruas e foi proibido o trânsito de automóveis
(...) A notícia de que, em vários países, está aberto voluntário para brigadas internacionais de apoio ao Governo de Fidel Castro faz com que alguns revolucionários cheguem a prever a derrota do movimento se não forem requisitados objetivos importantes até o final do dia de hoje.
(...) No Rio operários e estudantes realizaram manifestações de três horas partindo da Assembléia Legislativa para o Teatro Municipal e estiveram, depois das 20 horas, na embaixada de Cuba em Copacabana. Em Belo Horizonte os muros foram pinchados e houve agitação nas ruas.
(...) A emissora oficial de Havana anunciou ontem que foram presos 27 participantes de um complot para assassinar o Primeiro-Ministro Fidel Castro e que oito anticastristas foram fuzilados.
(...) Os embaixadores de cubanos em Moscou, Praga e Londres anunciaram vitórias de Castro. Este ultimo afirmou que o governo controla a situação, tendo sido destruídos cinco aviões e quatro embarcações rebeldes.

Jornal do Brasil, quarta-feira, 19 de abril de 1961

19de abril de 1961:

A rádio cubana anunciou oficialmente que dentro de poucas horas estará terminado o trabalho de extermínio dos contra-revolucionários desembarcados há dois dias e meio, nas praias cubanas para enfrentar o poderio dos trezentos mil milicianos do Primeiro-Ministro Fidel Castro que para a vitória contou com a calmaria das cidades e dos campos, onde a população manteve ativa a economia do país e, em nenhuma parte chegou a sublevar-se
(...)
Nos Estados Unidos, nos comandos contra-revolucionários cubanos há um grande desânimo que às vezes chega ao desespero, o Presidente Kennedy reuniu lideres democratas e republicanos, além de seus principais assessores para uma conferencia ultra-secreta na qual se tem como certo que foram tratadas as próximas tomadas de posição dos Estados Unidos no caso cubano.
As forças aéreas cubanas derrubaram com apoio da artilharia antiaérea de canhões tchecoslovacos Skoda nove aviões.
(...)
“Não houve novos desembarques e a principal fonte de preocupação agora entre os Cubanos é a presença de numerosas unidades navais dos Estados Unidos dentro dos limites das águas territoriais cubanas” disse o despacho. Acrescentou ainda que o primeiro ministro ainda não divulgou seu terceiro comunicado, mas já se sabe que ele contem pormenores relativos aos triunfos da força aérea cubana no esmagamento do inimigo.

Jornal do Brasil, quarta-feira, 20 de abril de 1961


20de abril de 1961:

Os invasores de Cuba foram totalmente exterminados, segundo um comunicado oficial assinado por Fidel Castro e publicado às 2h30 da madrugada de hoje, informa um despacho em Havana, da agência “Prensa Latina”, cuja transmissão foi captada em Paris.
(...)
O comunicado informou que “durante a tarde de ontem, os últimos restos do exército de invasão foram cercados na praia de Giron e alijados para o mar”.
“Uma parte dos mercenários, diz o comunicado, tentou reembarcar com destino ao estrangeiro, mas a força aérea rebelde (castrista) afundou todas as suas barcaças”.
“Alguns dos invasores, acrescenta, internaram-se numa região pantanosa, onde não tem nenhuma possibilidade de escapar”.
“Os invasores abandonaram grande quantidade de armamento e veículos, inclusive vários tanques “Sherman”, todos de fabricação norte-americana”, conclui o comunicado.
(...)
Em Bogotá, organizaram-se, simultaneamente, duas manifestações: uma pró-castro e outra anticomunista. As forças policiais, apoiadas por tanques e carros blindados evitaram o choque dos grupos rivais.
No México, numerosas manifestações de estudantes a favor de Fidel Castro desenrolaram-se sem incidentes.
No Brasil, várias personalidades, entre eles o sociólogo Josué de Castro, foram recebidas pelo embaixador dos Estados Unidos, ao qual entregaram uma mensagem ao presidente Kennedy, expressando sua solidariedade para com o líder cubano e pedindo que os Estados Unidos deixassem de apoiar os contra-revolucionários.
Em Washington, existe inquietação pelo curso da situação e o presidente Kennedy convocou uma reunião de gabinete, mas o porta-voz do Governo negou-se a dizer se a reunião está diretamente relacionada com a situação de Cuba.
(...)
“Os soviéticos saúdam o povo de Cuba depois da notável vitória obtida contra as forças de reação, os soviéticos não duvidaram um só momento de que o imperialismo seria derrotado. É impossível vencer a revolução - anuncia a Rádio de Moscou, acrescentando de que todas as regiões da URSS chegam telegramas e chamadas telefônicas à rádio, solicitando de que enviem mensagens de saudação aos castristas cubanos”.

Jornal A Tribuna, sexta-feira, 21 de abril de 1961


A atuação do governo dos Estados Unidos em invadir Cuba, na ocasião de abril de 1961 foi, em grande medida, o efeito da combinação de vários fatores históricos e políticos, pois é entendido que a necessidade de demonstrar uma posição mais consolidada contra o comunismo por parte do presidente recém-eleito Kennedy e os bons resultados obtidos na Guatemala em 1954 eram grandes indicadores para a motivação de uma empreitada que acabou por ser um grande fracasso para a política externa dos EUA.
Além disso, a intervenção norte-americana em Cuba remonta o início do século XX, mas um dos importantes diferenciais desta ação em relação as passadas é que, desta vez, o governo cubano, por razões ideológicas, não aceitou a de forma alguma a participação norte-americana em suas decisões, colocando-se disposto a lutar (até a morte, se necessário) por esse princípio, contando com o apoio da grande maioria população local7. Sendo assim, o episódio da Baía dos Porcos, mesmo que não seja tão difundido, é um marco importante para a história de Cuba, dos Estados Unidos e da Guerra Fria e um exemplo para os ianques de algo que eles não esperavam: a política externa norte-americana de retirada de governos “inconvenientes” pode está sujeita a falhas.
Veja também: Cuba em Revolução e Che

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